Algumas coisas que venho observando e descobrindo sobre o modo de vida e a sociedade francesa me mostram o quanto o Brasil precisa evoluir. Tá certo que somos um país jovem, muitos anos a menos de experiência, mas se essa coisa de mundo globalizado não serve para a gente cortar caminho e usar as experiências de quem já caiu e levantou para aprender, serve pra quê, então?
Imprensa e formação de opinião
O curso de línguas que começou hoje na Université de Provence não é apenas um curso para aprender français. Por aí já se tem uma ideia de como as coisas funcionam por aqui. Fiquei até um pouco desapontada que por estar num nível mais avançado terei aula só três vezes por semana, 3h por dia, começando às 10h! (ritmo da Provence, mas o fato é que a professora mora em Marseille, como eu, aliás, e como o curso tinha flexibilidade de começar entre 9h e 9h30min ela resolveu logo meter às 10h que é pra não precisarmos acordamos cedo). Mas durante o curso de verão a coisa era bem mais puxada, das 8h30min às 12h30min, tá certo que não tinha trânsito na estrada, bem menos gente no ônibus e que ninguém aguentaria nesse ritmo o ano todo. Mas enfim, retomando, além do curso regular tem ateliers temáticos. Eu pensava que isso era um bônus, até mesmo para justificar as horas do visto, já que as aulas não compreendem todo tempo exigido. Mas não, tem que fazer pelo menos quatro ateliers, com avaliações e tudo. Eu já tinha logo escolhido uns 8, ia fazer no oba-oba, ia preencher todo meu tempo enquanto não tivesse trabalho (e largaria a oficina se fosse necessário) e para não ficar de bobeira esperando entre um atelier e outro que me interessa, já que voltar para casa não vale a pena.
Hoje fui no atelier Europa-Estados Unidos: pontos comuns e divergentes. Tem um grande grupo de americanos num programa de estudo de francês, mas minha ideia era desenvolver melhor o discurso pois é preciso saber se exprimir para passar num exame de proficiência em francês. Mas fui surpreendida com este atelier que vais nos fazer refletir sobre a sociedade que queremos para nós no futuro, visto que a primeira e principal divergência entre a França e os Estados Unidos é o socialismo e o capitalismo. Vamos ver através da história como esse comportamento da sociedade francesa surgiu, como é na Europa, a origem da Comunidade Europeia, como a entrada da Turquia no bloco pode mudar tudo. E a impressa, como a diferença entre a imprensa americana e francesa se traduz na sociedade. E aí o professor disse: jornalistas escrevem artigos e isso é o que fazem estudantes universitários, um bom artigo pode ser publicado na imprensa. Aqui não é necessário ter diploma de jornalista para ser um. E aí me dei conta em como nossos cursos de jornalismo no Brasil sequer nos preparam para escrever um artigo acadêmico, que dirá um artigo com opinião, de posição, num jornal. É um curso técnico para servir empresas privadas que nos enquadram de tal forma no conceito editorial que eu perdi minha opinião. Sério, não sei mais opinar, eu que entrei na faculdade cheia de vontade de escrever editoriais. Não, meti a cela de cavalo da neutralidade, da isenção e tudo que fiz foi escrever sobre acidentes de carros, pequenos assaltos, o famoso buraco de rua. E o professor pincelou um pouco a lógica da imprensa americana, como a CNN com seus ao vivo, direto do lugar, mas sem reflexão, sem o depois. Isso custa dinheiro. “Mostrar o Afeganistão na tevê não são três dias de reportagem, são pelo menos 15 dias subindo montanha para chegar num vilarejo, isso sim é reportagem”, exemplificou. Os franceses não, todos, todos eles têm opiniões, sobre tudo, fundamentadas, bem embasadas. Hoje o professor disse, nunca digam: “je ne sais pas (eu não sei), ninguém diz isso aqui, isso mostra que você não tem personalidade”. E me dei conta que a nossa imprensa no Brasil cada vez reforça mais ao povo – que já tem uma educação precária – ao je ne sais pas!
Educação
E aí entra a educação. Aqui as crianças aprendem a ler aos cinco anos de idade. Aula não é só 4h por dia, é o dia todo. A criança entra de manhã e sai pelas 17h. Em compensação tem a quarta-feira de folga (que deve ter um monte de tema de casa). E a maioria segue esse ritmo de estudo até o mestrado, pois universidade é de graça, classe média tem direito a bolsa para financiar os estudos, para morar onde os estudos que você deseja estão. Trabalhar só depois de concluído o mestrado que vai te dar uma especialização da área escolhida (se não me engano são três anos de faculdade, um pouco menos que no Brasil).
Socialismo
A diferença entre essa sociedade socialista posso exemplificar não com o seguro social, que funciona perfeitamente e é pago pelo governo, ainda que muita gente pague um plano a mais, privado, descontado no salário que te rembolsa quando você faz um óculos de grau por exemplo. Somente para ter essas vantagens extras, não para diminuir a fila no hospital. A diferença que vejo, por exemplo, no comércio. As lojas fecham 19h e se você está lá dentro, ainda em dúvida sobre o que levar, ninguém faz questão de te agradar e diz para ficar a vontade, não, a loja fecha às 19h, você tem que ir, é o direito do trabalhador (ou o chefe que não quer pagar horas extras). Mas como todo mundo faz assim, ninguém vai sair falando mal da loja. O shopping fecha depois, às 20h!!! Nada abre aos domingos, exceto as padarias (que os franceses não vivem sem suas baguetes), mas fecham num outro dia durante a semana para compensar. O mercado fecha para o almoço às 12h45min e só abre às 15h. Isso no centro de Marseille. No verão, açougue, mercearias, padarias, lojas tiram férias e fecham as portas por 15 dias, um mês. Os trabalhadores aqui tem direito a férias de cinco semanas. Os encargos de um funcionário saem bem caros para um empregador, é um outro salário completo, como se o trabalhador aceitasse ganhar a metade, mas ele sabe que seu dinheiro será empregado e ele terá em retorno segurança, saúde e se já tem sua formação universitária, está garantindo que seus filhos vão ter também.
Eu que vivi de trabalhar em uma redação de jornal ou no comércio da família tinha um modelo de vida americano, de correria, de engolir café, de mostrar trabalho às custas de descanso, saúde, estudo. De ficar na loja até a hora que convir ao cliente que chegou na hora de fechar… e acho que esse modelo de sociedade aqui permite muito mais de aproveitar a vida, estar com os amigos, o tal bon vivant dos franceses. E se todo mundo faz assim, não vai pegar mal eu fechar minha lojinha e tirar uns dias de folga no verão. E sobretudo, sobra tempo para a família e talvez faça diferença em aqui não ter o mesmo problema das drogas que tem no Brasil, que cada vez mais invade lares de todas as classes sociais.
Comunismo e transporte
Esses dias descobri que tem algumas cidades na França que tem um modelo “comunista”. Não sei bem a real extensão disso, mas não é pejorativo, são cidades que tem mais planos sociais para seus moradores. Por exemplo, em Aubagne, aqui do lado de Marseille, o transporte público é gratuito. Isso mesmo, ônibus de graça. Aqui, não em Marseille, falo na Europa em geral, o transporte funciona. Bom, estou sendo um pouco injusta, é que Marseille não tem metrô que cobre toda a cidade, mas funciona no horário, ônibus é pontual e tem informações em todas as paradas de ônibus. Sério, não sei como a gente anda de ônibus no Brasil, é na base do cobrador me mostra onde descer porque muitos pontos nem tem nem a cobertura de parada. Mas o transporte é gerado pelo estado, se não é mais, pelo menos um dia foi. As linhas de trem de Paris, por exemplo, estão para ser privatizadas, infelizmente. Mas é ela que paga as linhas pequenas… não sei como será, enfim. Mas foi feito um estudo em Marseille, se parassem de cobrar o transporte da população, sairia mais barata a manutenção dos sistema todo, pois seriam menos funcionários para cobrar bilhetes, fiscalização… para ter uma ideia, nos ônibus que levam à praia, chega a ter cinco fiscais para garantir que a gurizada em férias não vai pegar ônibus de graça. Mas para estudar, seja de trem, metrô, sai praticamente de graça o transporte.
Sequestro de crianças
Nesse fim de semana duas crianças foram raptadas. Elas saíram para um passeio com um casal de vizinhos que habitava há pouco tempo o bairro e não voltaram. Os pais foram até a polícia e a cada cinco minutos tinha um alerta no rádio, na tv. O estado tem um dispositivo para isso, são colocados anúncios insistentemente, mas muito insistentemente. Se você viu alguma coisa não deve interferir e sim comunicar as autoridades. Poucas horas depois as duas irmãs foram deixadas num estacionamento, sã e salvas, provavelmente pelos sequestradores, que com os alertas na mídia ficaram sem saída.
Enfim, não é tudo perfeito, não sou uma conhecedora de causa, estou começando a melhorar na língua para ler mais artigos, me inteirar da situação política, mas são pequenas observações do cotidiano que mostram alguma coisa desse velho mundo que é de primeira, não à toa. E acho que um país naturalmente rico como o Brasil podia dar muito mais a sua sociedade.
UPDATE: Faltou um ponto negativo, a universidade está com problemas de falta de salas de aula. Hoje, 20/9 não tive aula. Até propuseram uma sala em outro ponto da cidade mas complicava a vida da professora então iremos recuperar em outro momento. Não sei se tem mais estudantes que o previsto ou é só questão de organizar bem os horários e locais. Mas seja qual for o problema, em breve vai acabar pois um prédio novinho tá sendo construído ao lado…
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